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2022 | O Canto da pedra

O Festival Pedras’23, janela aberta do trabalho com pessoas e lugares com a cidade de Lisboa que se demora toda uma temporada, trouxe de 3 a 9 de Julho O Canto da Pedra.

Pela primeira vez nestes 18 anos de escuta, caminhadas e poisios, o desenho das viagens não foi sonhado e percorrido desde a casa-cem, coração de Lisboa, rumo às bordas, numa pulsação de “dentro para fora”. Atrevemo-nos a apontar “longe” e vir escorrendo rumo ao centro, experimentando o mergulho de “fora para dentro”. Demorámos na mata de Alvalade e em recantos do bairro, de mansinho, silenciosamente, atentas ao que esta cidade nos quer dizer agora. Partimos de Chelas ao rio atravessando Marvila, Beato, Xabregas… azinhagas, pastores, habitação social, ranchos folclóricos, cabras, gruas e guindastes, acampamentos, sem abrigo, palácios, lixo, cantos a atravessar o ermo, buracos, pontes, grelhas comunitárias, estradas e vias rápidas e caminhos de terra. Estendemo-nos na rua da Prata com a criançada desde o princípio do ano, quando as chuvas abriram o buraco que agora é um grande buraco, e a rua deixou de ter carros… enquanto também vai deixando de ter as casas de comércio que a habitavam há mais de 50 anos… conhecemos casas nascentes na vizinhança entre a Mouraria e a Calçada de Santana… e agora convidamos quem se quiser ajuntar a uma semana ao encontro das Lisboas que Lisboa vai sendo, com criações artísticas, conversas, concertos e bailes, lanches, caminhadas e poisios tudo permeado pelo revigorante estar-para-nada onde os ouvidos se desapertam por paisagens sonoras não-humanas, cantos e canteiros, atentos ao cantar das pedras.

 

 

O Pedras- Práticas com Pessoas e Lugares, é o exercício da especificidade da Investigação, Criação e Formação do c.e.m na relação com cada umaum, com espaços de ajuntamento (informais ou institucionais) e com a contínua geração de cidade. A deslocação da “casa do c.e.m” desde os bombeiros da Praça da Alegria para a R. Fanqueiros, provocada pela derrocada de parte das instalações, adensou essas práticas, anteriormente realizadas pontualmente. Habitar o coração de Lisboa acentuou o desejo de exercitar a escuta da cidade enquanto acção e, enquanto implementávamos actividades como “reverdejar a cidade” que consistiam em migrar entre casas ou estabelecimentos comercias transportando plantas e outros verdejamentos semeados e nutridos em cada lugar fomos praticando caminhadas e poisios (a que chamámos rotas) que nos iam alinhando com outras formas de cidade que co-existem com o que conhecemos enquanto “cidade”. Muitas vezes as nossas práticas foram alinhadas com as “derivas” dos Situacionistas no entanto o que sempre nos norteou parece diverso: Estar para nada! Não ter à partida um objectivo que não o estar em cada “ali”. Em 2007 tivemos o financiamento da CML para produzir “Memória-Relva no Camões” cobrindo de relva a praça e, sem assinar a acção e exigindo que esta não tivesse o cunho presente dos financiadores, devolvemos a Lisboa um espaço de Estarcom que rapidamente foi apropriado por cada pessoa que lá se demorava durante o dia com as famílias e quem mais se ajuntasse como se sempre o Largo tivesse sido um jardim “sem dono”. Desde a manhã de 25 de Abril e até à noite de 1 de Maio os bombeiros tomaram para si a vontade de regar e tratar o espaço trazendo os filhos e os netos, os “bêbados” do Bairro Alto implicaram-se em limpar cada manhã as garrafas dispersas e o dia escorria no com-vívio de quem lá passava. Quando chegou a altura de retirar a relva os rizomas entravam por entre as pedras e a chuva caía agreste, esse foi o cenário que nos permitiu, depois de entregar pedaços de relva a instituições e quem mais quis transportar fragmentos, pensar que tanto dinheiro não podia estar afectado a uma fruição tão pontual. Assim começámos a focar não numa acção “brilhante” e fugaz, mas em exercícios de continuidade. O Pedras é exercitado em Lisboa e tem aberto as suas práticas, devidamente re-afinadas, para outros lugares de Portugal e de outros lugares do Mundo.

>>>> Sobre o festival Pedras
>>>> Vídeos do festival Pedras

Actividades semanais:

  • rotas e manuais de estar: A partir do “estar para nada” praticamos especificidades diversas. A 1ª dedica-se à escuta da migração, do deslocamento, ensinando-nos como, a partir das caminhadas sem direcção pré-definida, vai sendo possível escutar as formas que determinadas linhas desdobram para lá daquilo que temos como “conhecido”, a 2ª é um apelo à visão do “vôo da águia” acompanhando dispersões e ajuntamentos por 3 lugares escutando as confluências e rotações dos corpos com a cidade.
  • creche e centro de dia: Trazer a experiência do Corpo para o interior de instituições. Com os mais pequeninos ou os mais velhos queremos praticar um Corpo que não se vê constrangido, chegando a cada umaum como se vai fazendo possível no encontro. O “dentro” e o “fora” são marcos da nossa insistência, tanto a nível do recolhimento /expansão de cada corpo como no que se refere aos espaços de habitação/fruição. Re-encontrar a alegria de estar vivo em movimento é um dos objectivos.
  • fanzine: Um espaço de encontro entre quem vai criando cidade. Cada semana co-criamos uma fanzine que circula entre as pessoas que vamos conhecendo. São escritos e fotos (recolhidos durante as rotas/manuais de estar/outras práticas do cem), que co-existem numa fanzine a partir da qual pessoas do Mercado (re)conhecem outras da Mouraria ou alguém da Calçada de Santana intui os sonhos de quem está pela Baixa ou pelo Cais do Sodré. É uma forma de tecer relações a partir de um jornal interno.
  • ler na rua, escrita na rua: situações que criam uma atmosfera específica a partir da escrita ou leitura. Esta atmosfera perpassa os corpos e atravessa os lugares. Mesmo por entre a voracidade da turistificação de Lisboa é possível a instalação de um silêncio que permite uma outra vivência do lugar. Sabemos que a instalação destas atmosferas abre outras formas de estar e convida outras modulações de presença. Talvez pudéssemos dizer que têm por objectivo alentar a vivência da cidade.

 

Actividade mensal:

  • áudio pedras: São documentos áudio recolhidos em diversos contextos que trazem ao presente conversas demoradas com habitantes da cidade, o ruído das intermináveis obras ou outras sonoridades que vão aparecendo no quotidiano. Estes documentos sonham presentificar a memória do que a cidade ou o lugar vão sendo amplificando detalhes que não aparecem nas primeiras camadas do encontro com a experiência da cidade. O áudio pedras integra a Documentação do hoje.