Sopro é um solo de Sofia Neuparth com o convite à atmosfera em presença de Margarida Agostinho e à música live de Bruno de Azevedo. É um estudo do nascer do gesto que traz ao encontro a constatação de que não se é corpo sózinho.
A experiência de ensinar-aprender, com toda a riqueza do encontro com uma grande diversidade de formas de ser-estar-fazer, a experiência um-a-um com corpos que se afastam do “corpo-tipo” (pessoas “com necessidades especiais”, corpos estigmatizados, corpos nas orlas do tempo de vida: recém nascidos ou pessoas no caminho da morte), a experiência no acompanhamento de processos de criação em Corpo-Escrita em vários contextos, a insistência em criar espaços de investigação dedicados à escuta do nascer do gesto, a dedicação ao estudo de áreas específicas da filosofia e da ciência, nutriram este desejo de trazer à partilha um momento sensível dançado, consagrado à poesia do gesto.
Sopro estreou no festival Pedras 17-Manual de Estar, na rua, perto do Martim Moniz, sem tratamento de chão nem a criação de uma moldura fixa para a performance que definisse a relação entre os presentes. A demora com o lugar de comunicação foi minuciosa incluindo a limpeza detalhada das pedras do chão junto com os comerciantes locais ou a abertura de tempos alongados de escrita e dança. Algumas das sessões de Trabalho de Fundo orientadas por Sofia Neuparth passaram a exercitar-se naquele espaço, a meio da escadaria que “olha de frente” para as escadinhas da saúde, agora desventradas enquanto esperam vir a ser escadas rolantes. A segunda apresentação deu-se no cineteatro de Castelo Branco introduzida por uma conversa muito descontraída e participativa com quem veio ao encontro. Assim o Sopro não é um trabalho específico para a rua ou para o palco ou para lugares alternativos, é uma dança escutante que pode acontecer onde for, sempre vulnerável e deformável.
“O lençol terra e o lençol céu beijavam-se com tanto desejo que às vezes não se percebia que eram 2 lençóis, colavam-se um ao outro e entreteciam-se como uma única membrana. Certo dia aconteceu um sopro que sacudiu os lençóis e fez aparecer a evidência de um espaço ondulante entre o céu e a terra.
Há quem diga que é nesse espaço móvel que os corpos, humanos e outros, praticam as formas que vão sendo no empurrar-puxar, agarrar-largar, dar-receber, espiralar, enrugar, deslizar, vibrar, migrar. Será nesse adensamento intermitente da matéria que se vai desenhando a especificidade de cada forma de vida.” S.N.
Teaser Sopro:
SOPRO é um estudo do nascer do gesto que traz ao encontro a alegria de ser movimento! Não se é corpo sozinho.
O prazer de esticar um braço, rebolar, olhar para o céu, tocar o ar, sentir a terra a beijar os pés…dançar. Há uns anos fui descobrindo que o movimento pode fazer-se gesto e que a dança poderia ser a poesia do gesto. Cada forma que se vai fazendo forma, dança a dança que dança…assim possa…e ninguém sabe o que pode um corpo! Seja corpo água, pássaro, luz, nuvem, flor, erva, som, insecto, girafa, peixe. Nunca ressoou em mim a tristeza dos humanos (muitos deles supostamente dedicados à “dança”) quando expressam a incapacidade de “criar” um momento dançante… não que em Sofiez a dança se faça linda e brilhante a todo o momento mas a alegria, o amor de poder dançar, o agradecimento de poder dançar é uma força imensa!
Acompanhei ao longo do caminho da existência vidas complicadas em que o movimento não podia mesmo aparecer, em que o corpo físico se viu enjaulado numa imobilidade cruel. Bem dentro do meu coração acompanhei os últimos anos de quem amo muito, alguém que em criança era selvagem e aventureira e atrevida, alguém que se foi fechando numa concha de não movimento até que qualquer gesto se tornou impossível…e nós humanos aqui a desperdiçar a vida, a inventar complicações que justifiquem a nossa falta de girar, gritar, saltar, existir!
O SOPRO é um grito, um sussurro, uma canção, um beijo, um sopro de amor de existir…não é uma boa dança ou uma dança feia ou…é dança, com a companhia de quem vibra lado a lado, a Margarida na atmosfera e o Bruno na música, e sabem porque danço? porque posso! E que o mundo dance! que a dança dance! que o corpo possa!
Sofia Neuparth